O uso sustentável da água no Brasil

Texto por: Publicado em: 12 de agosto de 2024

Nesta edição da Agro Magazine, na qual retratamos o projeto Produtor de Águas, fomos ouvir a Consuelo Franco Marra, Coordenadora de Conservação e Uso Sustentável da Água da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que com toda a sua experiência é conhecedora de projetos que são desenvolvidos em todo o país. Além de todo o trabalho que foi realizado nos últimos anos, Consuelo destaca as conquistas desse tempo de trabalho e o importante trabalho da ANA na prevenção e na orientação de gestores sobre possíveis projetos a serem desenvolvidos nas diferentes regiões do país, para a preservação desse bem tão essencial à vida, que é a água. Vale a pena conferir a entrevista abaixo.

AM — Como os municípios podem se habilitar para integrar o Programa Produtor de Águas?

CF — O Programa Produtor de Água é uma ação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) que visa a apoiar projetos voltados à conservação de água e solo em microbacias e que sejam conduzidos por um arranjo local de parceiros. Os projetos que atualmente recebem o apoio da ANA foram selecionados a partir de editais lançados entre 2011 e 2017 e agregaram quase 500 parceiros de diversas esferas. Um dos desafios da fase atual do Programa é o ganho de escala e, nessa estratégia, o apoio a projetos, que atendam aos quesitos e diretrizes constantes da Resolução ANA nº 180/2024, será por meio dos comitês de bacias hidrográficas e das unidades da Federação, além do reconhecimento daqueles conduzidos por municípios ou demais instituições, conforme previsto na Resolução ANA nº 181/ 2024.

AM — Quais as respostas já concretas do Programa Produtor de Águas?

CF — O Programa, iniciado em 2001, é composto por mais de 70 projetos, abrangendo oito regiões hidrográficas e 13 Estados e o Distrito Federal, beneficiando, direta e indiretamente, cerca de 18 milhões de pessoas num total de 78 municípios e cinco biomas. Até o momento, são cerca de 21 mil hectares de áreas conservadas e 3 mil hectares de áreas de vegetação recuperadas. Além disso, destaca-se a adequação de mais de 550km de estradas rurais e a construção de 6.500 barraginhas e 3.000 metros de terraços para conter as águas pluviais e o escoamento de sedimentos para os rios. Os projetos integrantes do Programa propiciaram a instalação de cerca de 550 sistemas de tratamento de esgotos domésticos em residências rurais, agregaram quase 500 parceiros de diversas esferas, atenderam mais de 2.000 propriedades rurais em uma área total de aproximadamente 710 mil hectares trabalhados. Dos projetos apoiados, aproximadamente 35 possuem arranjos para o pagamento aos produtores rurais pelos serviços ambientais prestados, tendo contemplado aproximadamente 1.000 produtores. Até o momento foram investidos mais de R$ 109 milhões de recursos provenientes da ANA e dos demais parceiros envolvidos, contemplando desde a implantação de ações de conservação de solo e água a pagamentos por serviços ambientais.

AM — Além do Produtor de Águas, quais outros projetos e programas são realizados no país com meta na preservação das bacias hidrográficas?

CF — Existem várias iniciativas a partir de ministérios, como os do Meio Ambiente, da Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional e da Agricultura e Pecuária, além de comitês de bacias, órgãos estaduais de meio ambiente e de recursos hídricos, ONGs e até mesmo da iniciativa privada.

AM — As mudanças climáticas, como o aquecimento global, como foi registrado nos últimos anos, vai levar a criação de outros programas para que se garanta a preservação dos recursos hídricos?

CF — Os efeitos das mudanças climáticas vêm sendo cada dia mais perceptíveis aos cidadãos e desta forma é possível imaginar que várias ações venham a ser feitas para prevenir os desastres que temos visto acontecer em alguns lugares. A ANA vem trabalhando para auxiliar a sociedade e os dirigentes com dados, informações e com o modelo de prevenção do Programa Produtor de Água, dentre outros.

AM — Tem alguma região do país onde a população seja mais consciente sobre o uso racional da água?

CF — O que se percebe é que a consciência sobre a necessidade de se usar recursos naturais escassos com racionalidade vem a partir da própria situação de escassez ou de falta. As crises que vêm sendo enfrentadas, como a falta de água disponível, mostram que todos são capazes de economizar em situações críticas e isto é um bom indicador. O Programa Produtor de Água tem como foco que estas condições de escassez ou de falta de água disponível sejam minimizadas a partir de ações preventivas associadas ao uso de técnicas de conservação nas áreas rurais das microbacias. Os projetos apoiados usualmente estão instalados em locais onde houve algum tipo de situação de escassez ou falta de água, o que demonstra uma reação proativa e preventiva a partir da conscientização local.

AM — Nos municípios onde o Programa Produtor de Águas foi implantado, vem ocorrendo a adesão de mais produtores ao programa?

CF — A adesão aos projetos locais tem sido bastante significativa. Os produtores aderem tanto para que suas propriedades recebam as intervenções de adequações ambientais quanto para terem direito a receber pelos serviços ambientais prestados.

AM — O Programa Produtor de Águas foi idealizado no Brasil ou foi implantado o modelo de algum outro país?

CF — O Programa usa a estratégia do pagamento por serviços ambientais, que adota os princípios do usuário pagador e do provedor recebedor, e a de gerenciamento por parcerias a partir de experiência que estavam em curso no início dos anos 2000 em vários lugares do mundo. Porém, ele tem um modelo próprio e foi idealizado pela equipe técnica da ANA. O Programa preconiza que as definições e adaptações de suas orientações gerais à realidade local sejam feitas pelo conjunto de parceiros locais que conduz os projetos.

AM — Quais são os principais desafios enfrentados pelo Programa Produtor de Águas na implementação de suas ações?

CF — Existem desafios importantes relacionados à obtenção de recursos para financiar as ações, a manutenção dos projetos e a mobilização de parceiros, inclusive quanto aos produtores rurais. É necessário que os projetos ganhem escala territorial para que os efeitos desejados, em termos de qualidade e disponibilidade de água, sejam perceptíveis e, para se atingir isso, é importante a mobilização dos parceiros e que o projeto seja mais permanente, e estes são grandes desafios. Atualmente, o maior desafio do Programa está em estabelecer metodologias que possam monitorar os efeitos dos projetos na água, tanto em termos de qualidade quanto de disponibilidade para os usos múltiplos.

AM — Como o Programa se conecta com outras iniciativas de preservação ambiental e gestão de recursos hídricos no Brasil?

CF — O Programa preconiza a adoção de técnicas bastante conhecidas e utilizadas em diversos projetos de adequação ambiental de propriedades rurais, tanto para geração de externalidades ambientais positivas — ar, água, carbono, biodiversidade — quanto para o cumprimento das previsões legais, como recomposição de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais. Ademais, o Programa traz a importância do olhar integrado da paisagem e a complementariedade das ações de conservação de água e solo, além da conciliação das questões ambientais com as de produção de alimentos e geração de renda para os produtores rurais — que sempre são ouvidos — e seus planejamentos de uso de suas propriedades são levados em consideração.

AM — Qual o impacto econômico e social do Programa Produtor de Águas para as comunidades envolvidas?

CF — Além da melhoria das condições de umidade dos solos, que traz benefícios para a parte produtiva, a utilização das técnicas de conservação de água e solo traz benefícios como a redução da perda de solos e de insumos que poderiam ser levados para os rios através da água das chuvas, reduzindo os custos de produção para os produtores rurais.

AM — De que forma o Programa Produtor de Águas contribui para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas?

CF — Os projetos integrantes do Programa implementam ações como o aumento da cobertura vegetal e a implantação de estruturas de captação e contenção das águas de chuva nas propriedades cujos produtores aceitam fazer parte dessa iniciativa. Essas ações são medidas que ajudam a sociedade e a natureza a prevenir e se recuperar de eventos extremos como os que atualmente estão associados aos efeitos das mudanças climáticas, em particular aqueles associados à água, e visam a proporcionar uma maior resiliência com a atenuação dos picos de cheia e melhoria do escoamento de base.

AM — Quais são as fontes de financiamento para o Programa Produtor de Águas, e como a sustentabilidade financeira é garantida?

CF — O Programa aposta no poder das parcerias entre instituições interessadas em resolver o problema hídrico que leva à construção do projeto. O arranjo de parceiros que cria e conduz o projeto, no entender das diretrizes do Programa, tem a capacidade de fazer com que ele seja sustentável e que possa sempre existir aporte de novos recursos, bastando para isso que exista uma constante mobilização e a vontade de que o problema seja enfrentado e resolvido. Todos os projetos que são considerados como casos de sucesso possuem pelo menos uma destas condições — arranjo de parceiros efetivos e/ou uma grande mobilização para sua permanência.

AM — De que maneira o Programa Produtor de Águas promove o engajamento e a conscientização das comunidades locais?

CF — A partir da constante mobilização, capacitação e comunicação dos integrantes do grupo de parceiros que compõem as unidades gestoras dos projetos com a comunidade local. É muito importante que sejam privilegiadas a transparência, a legalidade e a isonomia em todos os passos dos projetos. O uso do pagamento por serviços ambientais como estratégia de mobilização e de permanência dos produtores e dos parceiros na condução dos projetos também se mostra como uma prática bastante efetiva de engajamento e conscientização, posto que assegura que as ações tenham longevidade e tempo suficiente para demonstrar os benefícios que podem gerar ao meio ambiente, aos produtores, aos usuários de água e à sociedade.

Consuelo Franco Marra, Coordenadora de Conservação e Uso Sustentável da Água da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)

One Comment

  1. Maria do Rosário Bueno 3 de setembro de 2024 at 10:54 - Reply

    Muito boa está matéria, temos que ter consciência da importância da água no mundo.👏👏

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