Pecuária de corte no Brasil: a força da mulher no campo

Texto por: Publicado em: 12 de junho de 2024

A pecuária de corte no Brasil é um dos setores mais robustos da economia agrícola, desempenhando um papel crucial tanto no mercado interno quanto no comércio internacional. Tradicionalmente dominada por homens, a pecuária de corte tem testemunhado uma transformação significativa nos últimos anos com a crescente participação das mulheres, que vêm conquistando espaço e se destacando pela competência, inovação e sustentabilidade.

Apesar dos avanços neste segmento, as mulheres ainda enfrentam desafios significativos, como o preconceito. No entanto, a resiliência e a determinação das produtoras têm sido fundamentais para superar essas barreiras. Organizações e associações de mulheres do agronegócio têm desempenhado um papel vital, oferecendo suporte, capacitação e uma rede de contatos que fortalece a presença feminina no setor.

Com o apoio contínuo de políticas públicas e iniciativas privadas, a tendência é que a presença feminina na pecuária de corte continue a crescer, consolidando um setor mais diversificado e resiliente.

São muitas as raças que envolvem a pecuária de corte no país como as zebuínas: o Nelore, Brahman, o Cangaian, o Gir, o Guzerá, o Indubrasil, o Punganur, o Sindi e o Tabapuã; as europeias: Angus, Hereford, Caracu, Charolês, Simental, Limousin, Chianina, Devon, Belgian Blue e a asiática Wagyu. Temos ainda as raças sintéticas, originárias de cruzamentos como: a Braford, formada por 5/8 Hereford e 3/8 Zebu, a Purunã, sendo 1/4 Charolês, 1/4 Caracu, 1/4 Aberdeen Angus e 1/4 Canchim, e a Simbrasil, com 5/8 Simental e 3/8 Nelore.

Nesta edição, abordaremos algumas delas e mostraremos o papel de algumas pecuaristas, representando as demais que atuam em todos os estados do país.

ExpoZebu

Fomos até a ExpoZebu 2024, a maior feira da pecuária zebuína do mundo, para conhecer um pouco mais do universo da pecuária de corte, sob a gestão das mulheres. Destacamos nesta edição a história da médica endocrinologista Valeria Guimarães, que carrega na alma a essência de criador do seu pai, Nelinho Guimarães, selecionador da raça Tabapuã, em Goiás. E, também, da médica veterinária Helena Leonel Curi, criadora da raça Sindi na Fazenda Porangaba, em Jardinópolis/SP.

 

Tabapuã

Esta história começa muito antes, há 120 anos, quando o avô de Nelinho Guimarães, Salviano Guimarães, começou a criar os primeiros zebuínos mochos do país, selecionados nas muitas comitivas que realizou comprando e vendendo gado pelos rincões do país. O trabalho foi seguido pelos filhos e netos que continuaram a seleção a olho nu, observando carcaças, resistência, peso. A seleção foi se concretizando ao longo do tempo, no plantel de Nelinho Guimarães, que ganhou espaço, reconhecimento e conquistou muitas premiações nas pistas de julgamento da ExpoZebu. É reconhecido como um dos pioneiros da raça.

Com a partida repentina de Nelinho, em 2013, a participação nas pistas foi encerrada e a fazenda foi conduzida pela família. Mas, chegou a hora da partilha e a médica Valéria Guimarães, com carreira de sucesso e consolidada na medicina, sentiu o chamado da pecuária cada vez mais forte. Chamado esse iniciado muito antes, quando o pai a convidara para ajudá-lo na lida da fazenda com o argumento de que engordar boi era mais fácil do que emagrecer pessoas. A história da família de Valéria é de Goiás, onde a tradição direcionava que os homens sucedessem os pais nas fazendas. “Meu irmão faleceu aos 16 anos, minha irmã foi para outro estado e meus pais ficaram na fazenda. Não houve um processo de sucessão natural”. Mas quis o destino que Valéria desse continuidade ao legado de seu pai e tornasse a quarta geração da família na criação da raça Tabapuã, agora com o nome de Balsas – Onda Verde.

A medicina

Quando Nelinho morreu, Valéria estava com a sua carreira consolidada na medicina e feliz com o seu consultório. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e premiada pela Associação Americana de Endocrinologia, entre outros prêmios e muita formação na sua área. Ama a medicina e a sua profissão. Mas o chamado da pecuária se tornou muito forte na sua vida. Arrendar a propriedade herdada pelo seu pai e vender os animais seria o caminho mais fácil, mas esse não era o seu chamado. Assim, passou a conciliar a sua vida de médica com a vida de pecuarista com o apoio do marido Istênio Pascoal, que também é médico, e a esperança depositada nos três filhos, também jovens médicos, mas já sintonizados na tradição familiar.

Percurso

Valéria e Istênio participavam de um congresso em Roma, quando decidiram que, para definir o caminho a seguir, precisavam se capacitar. Nessa busca, encontraram um evento sobre pecuária de corte em Rondonópolis. E de Roma seguiram para Rondonópolis, onde tudo começou a se encaixar no propósito de seguir investindo, também, na pecuária de corte. “Eu escuto esse chamado e sigo. Não sei até onde ele vai me levar”, diz a produtora rural.

E, a partir do evento em Rondonópolis, foram surgindo pessoas, anjos, como Valéria mesma define, que indicaram o caminho a seguir. Com as novas informações e o apoio desses profissionais, começaram o inventário dos animais e descobriram que tinham um tesouro no plantel. Animais com marmoreio — em proporção — três vezes maior que o rebanho nacional, muita carne e excelente cobertura. “Quando descobrimos esse tesouro, entendi a minha missão: entregar uma genética de excelência com muita carne, qualidade e multiplicar esse legado. É o sonho, junto de outras pessoas, que nenhum brasileiro coma mais carne de segunda; que todo animal seja de qualidade, pois todos querem consumir carne de qualidade”, revela.

Há três anos, Valéria traz para as pistas da ExpoZebu seu rebanho selecionado e afirma que é uma pena que as pessoas não possam ver por dentro o marmoreio da carne: ficariam maravilhadas. “A gente só caminha no plural. Eu estou ainda no início do meu caminho, mas descobrindo que é possível multiplicar, que é possível fazer outras coisas bacanas e diferentes na pecuária, conciliando com o meu conhecimento na medicina”, observa a pecuarista.

Com a experiência da formação em doutorados e a publicação de trabalhos que exigem prova e contraprova, ela não aceita qualquer dado. É preciso comprovação da evolução do animal, o que deu certo ou o que não deu certo no processo desenvolvido. “Nós sabemos qual é o ponto fora da curva, então testamos primeiro e comprovamos a evolução genética dos animais com o apoio que a tecnologia nos oferece, hoje. Tudo isso porque temos uma grande responsabilidade em criar animais de qualidade, em vender genética de qualidade”, frisa.

Mesmo no início dos trabalhos como pecuarista, Valéria afirma que pretende honrar o legado deixado por seu pai e segue na evolução genética do seu plantel, fazendo uma seleção dentro da seleção já existente, para oferecer ao mercado carne de mais qualidade, que também é uma exigência crescente do mercado consumidor.

O reconhecimento do trabalho vem também pelas pistas de julgamento. Na ExpoZebu conquistou o título de Reservado Grande Campeão Junior Menor, com Lexus, que tem 14 meses, e Jaguar, Porsche, MacLaren e Lexus chegaram ao pódio como Conjunto Reservado Campeão Progênie de Pai. Ainda mais relevante, conquistaram o Campeonato de Modelo Frigorífico, com Esplêndido, que consagrou todo esse empenho. Muitas outras conquistas virão, nessa nova fase do Tabapuã Balsas-Onda Verde.

Sindi

Na Fazenda Porangaba, em Jardinópolis/SP, a criação da raça Sindi começou há exatos 20 anos, mas nessas duas décadas conquistou não somente o criador Felipe Curi, mas toda a família, principalmente a filha, Helena Leonel Curi, médica veterinária, que viu a sua carreira ser pautada pelo amor à raça.

Muito conhecida entre os criadores, Helena foi conquistando o seu espaço, desde muito nova, ainda adolescente. Primeiro, assessorando o pai nas atividades da fazenda e, atualmente, como médica veterinária. Ela é ciente do que faz, conhecedora da pecuária, da raça Sindi que pautou a sua defesa de monografia na faculdade e que pauta a sua dissertação de mestrado. Tudo isso mostra a sua paixão pela atividade. Ela também mantém um canal no YouTube, no qual posta sobre ações da fazenda, grava conteúdos técnicos da raça Sindi e outros de interesse de pecuaristas.

Helena, jovem e mulher, afirma que sofreu pouco preconceito na profissão, quando era mais jovem. “O preconceito a gente contorna quando mostramos que sabemos o que estamos falando. As pessoas estão cada vez mais acostumadas com mulheres em cargos importantes. Eu acredito que as mulheres se destacam quando mostram que têm capacidade técnica e prática. Muitos pecuaristas buscam as minhas indicações e dizem que me admiram. Eu fico muito feliz, principalmente, se sou um exemplo para outras mulheres”, diz Helena.

Investimento na raça

Embora a seleção na Fazenda Porangaba tenha apenas 20 anos, seu pai e avô sempre foram pecuaristas tradicionais de gado de corte e apostavam no ciclo completo: cria, recria e engorda. Em 2004, a mãe Claudia Leonel, que também é zootecnista, indicou ao marido a raça Sindi para cruzar com o gado branco, anelorado, que comercializavam. Ela enxergava na raça potencial para agregar heterose no gado que criavam e viram que o Sindi trouxe rusticidade, precocidade e habilidade materna. Experiência com outras raças já haviam sido testadas, mas o resultado não agradara os criadores.

Outro fator que levou a família a apostar na raça foi a doçura dos animais, que são mansos e encantaram as crianças da família, naquele período. Com todas essas características mais o potencial da raça, os Curi resolveram apostar no gado PO, o que agradou ainda mais os filhos que, agora, podiam se apegar aos animais, os quais permaneceriam na fazenda para a seleção genética.

Naquela época, a expansão da raça estava começando. Não havia muitos animais Sindi e eles decidiram investir fortemente, pois viram a oportunidade de trabalhar a genética desde o início da expansão da raça. “Desde muito nova, eu já fazia a comunicação do nosso gado dentro da ABCZ e, assim, aprendi todo o processo burocrático de registro dos animais. Desde então, eu trabalho muito firme na seleção genética e na compra de animais. Aprendemos fazendo, como não tinha muita gente criando a raça naquele período. No início, tudo é mais difícil”, relata Helena.

Apaixonada pela pecuária e pelo Sindi, Helena afirma que embora a raça tenha tradição ainda deve ser muito trabalhada. Ela ressalta que é a raça zebuína que mais cresce no Brasil em número de animais e de leilões, e esse crescimento se deve ao fato de mostrarem os resultados; e os números conquistam os criadores. “O nosso marketing foi a eficiência do gado comercial”, explicou.

Segundo Helena, a mostra da heterose nos animais ajuda muito o impulsionamento da raça. Uma heterose 100% zebu, mais indicada para o Brasil que tem na sua maioria criação extensiva e de baixa tecnologia, por isso a raça se deu tão bem. “Além da rusticidade e habilidade materna, o Sindi tem produção de leite maior que o Nelore; os animais são mansos e têm um bom rendimento de carcaça tanto para crescimento a pasto, como em confinamento”, destaca.

Ao longo dos últimos anos, conforme ela, as conquistas do seu criatório são também conquistas da raça, tanto em F1 como em animais 3/4 e gado PO, mostrando a eficiência da raça. “A maior conquista é a demanda pelos animais”, resume Helena, acrescentando que a fazenda já mostrou abate técnico, venda de machinhos e venda de touros. No gado PO, mais conquistas com animais premiados e alguns recordes dentro da propriedade. “Temos gado leiteiro e alguns recordes nesse setor”, destaca a produtora rural.

Na ExpoZebu deste ano, a família conquistou o Campeonato Júnior Maior e o Reservado Grande Campeão com o recorde de animais mais pesados da raça. Ela destaca o Arcanjo Porangaba, um touro de 2008, que continua com características modernas. Arcanjo foi campeão em 2010, produziu Bitelo Porangaba, que foi campeão em 2017. Bitelo produziu Hércules Porangaba, que é o atual campeão touro sênior em 2024 e detentor do recorde de peso da raça Sindi, com 1.160 kg.

 

 

2 Comments

  1. Maria do Rosário 12 de junho de 2024 at 18:43 - Reply

    Parabéns pela matéria, leve suave que te conduz a uma boa visão das raças bovinas e parabéns para as criadoras Valéria e Helena pelo esforço em continuar o legado deixado por suas famílias.

  2. Maria do Rosário 12 de junho de 2024 at 18:45 - Reply

    Muito boa esta matéria.
    Parabéns

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