
A evolução do Queijo Minas Artesanal
Aquele queijo delicioso com cafezinho ou acompanhando um doce, que também é delicioso, ou compondo um prato, faz parte da nossa memória sensorial e nos faz desejar consumir o produto. O que muita gente não sabe é que, até chegar à degustação pelo consumidor, há um trabalho enorme em toda a cadeia para que possamos consumir um produto de qualidade.
Em Minas Gerais, esse trabalho é realizado por entidades do setor, entre elas o Sistema Faemg Senar, cujos técnicos trabalham intensamente para que o queijo, que tem conquistado um reconhecimento antes não imaginável, siga sua trajetória como produto de qualidade e com segurança alimentar para o consumidor.
Para conhecer um pouco mais desse trabalho, entrevistamos nesta edição a analista técnica e gerencial do Sistema Faemg Senar, Paula Lobato. Ela é médica veterinária, mestre em Ciência Animal e especialista em Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal com experiência em habilitação sanitária e implantação de controles de qualidade e treinamento para manipuladores de alimentos.
No Sistema Faemg Senar, Paula acompanha toda a cadeia da agroindústria alimentar que abrange setores como o dos queijos, que destacamos nesta edição, e mais apicultura, charcutaria, cachaça e doces artesanais.
Com foco na segurança alimentar e os desafios enfrentados pelas queijarias nos últimos anos, Paula traça um panorama nesta entrevista sobre as conquistas do setor e os desafios que se seguem para oferecer queijo de qualidade. Confira!

Paula Lobato, analista técnica e gerencial do Sistema Faemg Senar.


AM — O queijo Minas Artesanal é um patrimônio imaterial brasileiro, mas até chegarmos a esse reconhecimento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 2008, muito trabalho foi realizado pelas entidades que atuam com o agronegócio. Qual foi o papel do Senar Minas nesse processo?
PL — O Sistema Faemg Senar atua fortemente para o desenvolvimento do setor. Por meio da Comissão Técnica do Queijo Artesanal de Minas, a instituição faz a defesa técnica, política e dá visibilidade ao trabalho da cadeia produtiva. Há também as capacitações e formação profissional que são promovidas pelo setor de formação profissional rural. Foram realizados, somente em 2022, mais de 380 cursos presenciais, oficinas e seminários sobre técnicas de fabricação de queijos, que capacitaram cerca de quatro mil pessoas. Além disso, desde 2019, trabalhamos com o programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) Agroindústria, que já realizou mais de sete mil visitas de campo e cerca de 600 propriedades receberam orientações gratuitas de técnicos especializados sobre produção e gestão.
AM — Quais são as ações desenvolvidas pelo Sistema Faemg Senar, na atualidade, para buscar e manter o padrão de qualidade dos queijos em Minas Gerais?
PL — Cada vez mais, o Sistema Faemg Senar investe em ações para melhorar as técnicas de produção e controle de qualidade, que incluem cursos de boas práticas de fabricação, programa especial em boas práticas agropecuárias, com foco na qualidade do leite e até mesmo suporte aos produtores em habilitação sanitária e registros de seus estabelecimentos junto ao órgão de inspeção. Produtores assistidos pelo ATeG recebem, mensalmente, um técnico na propriedade que os auxilia na implantação e descrição dos programas de qualidade, nas técnicas de produção e no gerenciamento da propriedade, focando sempre na qualidade dos queijos produzidos. Além disso, a Comissão Técnica do Queijo Artesanal de Minas vem trabalhando ativamente em parceria com a Secretaria de Agricultura do Estado de Minas Gerais na regulamentação dos queijos artesanais do Estado, sempre buscando atender às expectativas e interesses dos produtores rurais mineiros.
O Sistema Faemg promove, anualmente, o Festival do Queijo Artesanal de Minas em parceria com o SEBRAE. O evento tem como principal objetivo ajudar na promoção cultural e gastronômica dessa iguaria, levar conhecimento a profissionais que atuam na área e para produtores, além de promover a comercialização desses queijos. É uma grande oportunidade de levar para o público da capital mineira o conhecimento sobre técnicas de produção dos queijos e a compra de diferentes produtos.

Festival do Queijo Artesanal de Minas
AM — Qual a importância dos concursos de queijos, nacionais e internacionais, para os produtores de Minas Gerais?
PL — Promoção e divulgação dos queijos mineiros em nível nacional e internacional; fortalecimento da cultura queijeira; agregação de valor; promoção de políticas públicas que favoreçam a produção artesanal; promoção e divulgação das regiões produtoras, incentivando o turismo local e consequentemente a renda familiar.
AM — Quais os principais desafios dos produtores de queijo, hoje, nas diversas regiões produtoras de Minas Gerais?
PL — Regulamentação do queijo: muitos queijos artesanais produzidos hoje em Minas Gerais ainda não possuem regulamento sanitário, impedindo que o produtor consiga fazer o registro sanitário de sua produção e, consequentemente, o comércio legal do seu produto.
Registro sanitário: Exige investimento alto na regularização estrutural da queijaria e no controle da saúde do rebanho leiteiro.
Comercialização: Concorrência desleal de produtos sem registro com produtos devidamente registrados, no mercado consumidor. A comercialização de produtos sem registro traz dificuldades ao produtor, que segue as normas, de colocar um preço mais elevado em sua mercadoria. E isso faz com que, muitas vezes, o produtor venda seu queijo a um preço que não paga seu custo de produção.
Queijo branco x queijo maturado: a demanda por queijos artesanais frescos ou de baixa maturação (meia cura) ainda é maior que a demanda por queijos maturados. Boa parte dos consumidores, por costume e desconhecimento dos potenciais riscos à saúde, prefere o queijo branco, sem maturar. A legislação não permite a produção de queijo de leite cru sem respeitar o tempo de maturação.
AM — As rotas do queijo têm promovido o turismo regional e a comercialização dos produtos. Como esse trabalho está sendo acompanhado e apoiado pelo Sistema Faemg Senar?
PL — O Sistema Faemg Senar possui um curso de qualificação na área do Turismo, cuja proposta é qualificar profissionais para ações integradas na área, com uma abordagem que visa valorizar as características próprias da região onde é desenvolvido, despertando no aluno a valorização de seu meio e visão empreendedora no Turismo.
AM — As mulheres têm um papel importante no processo da produção de queijos no Estado e muitas delas se destacam liderando queijarias ou como mestres queijeiras. A capacitação de mulheres para atuar nesse setor é crescente? Tem como especificar em números?
PL — Não tenho esses números.
AM — As regiões produtoras de queijos, no Estado, têm suas características próprias, de “terroir”, que marcam os sabores dos queijos. Quais as que mais se destacam e por quê?
PL — Em Minas Gerais, o modo de fazer o Queijo Minas Artesanal é registrado como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Atualmente, o estado possui dez regiões caracterizadas como produtoras desse tipo de queijo: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra do Salitre, Serras da Ibitipoca, Serro e Triângulo Mineiro.
Além delas, Minas também conta com cinco regiões caracterizadas como produtoras de outros tipos de queijos artesanais: Vale do Suaçuí, Serra Geral, Alagoa, Mantiqueira e Jequitinhonha.
É difícil citar uma região como destaque, pois cada uma possui suas características possuindo um sabor único e incomparável.
O QMA da Canastra já ganhou como um dos 50 melhores queijos do mundo no ranking do site americano Taste Atlas, plataforma colaborativa cujos usuários contribuem para a construção do conteúdo, e em todos os concursos percebemos que a Canastra está sempre levando muitos prêmios.
AM — A valorização do queijo e o reconhecimento do produto na atualidade ocorreram após um longo processo de boas práticas de fabricação. Os produtores ainda enfrentam dificuldade para entender a importância das etapas do processo de fabricação, que traz segurança alimentar para o consumidor?
PL — A cadeia produtiva de queijos artesanais no Brasil apresentou uma evolução relevante desde a década de 2000, que foi viabilizada pelo desenvolvimento das normas específicas relacionadas a esses produtos. Desde então, diversas instituições vêm apoiando e dando subsídio para o crescimento dessa cadeia produtiva e, somado a isso, a capacitação dos produtores e as orientações a respeito das boas práticas de fabricação têm sido um dos principais pontos trabalhados com esses produtores. Quanto aos produtores que estão regularizados, podemos afirmar que houve evolução dos processos de qualidade, mas ainda existe um longo caminho a percorrer para a busca constante das boas práticas e segurança alimentar.