
Do campo ao copo
Quando falamos em cerveja, nem imaginamos o quanto esse universo é gigante no Brasil e no mundo. A paixão nacional foi trazida ao país pela família imperial, segundo relata a história. E de lá até os dias atuais, são muitas, mas muitas histórias dessa bebida que conquistou todos de norte a sul do país.
O que muita gente não conhece é a participação da mulher na produção da bebida e, mais recentemente, na produção dos “ingredientes” da cerveja como o lúpulo e o fermento. No Brasil, muitas delas se destacam nos variados processos de produção e comercialização. Vamos conhecer aqui um pouco da trajetória dessas mulheres empreendedoras, que conquistam cada vez mais espaço nesse grande universo da cerveja: do campo ao copo.
Rio de Janeiro
Do Rio de Janeiro trazemos a Noi, uma palavra italiana que significa “nós”, uma cervejaria familiar que é administrada por três mulheres: as irmãs Bárbara e Bianca Buzin, e a prima Beatrice Signor. Elas são a segunda geração da família no ramo da gastronomia. Trabalham desde pequenas nos restaurantes da família e, quando a Noi surgiu, tiveram interesse pelo assunto, começaram a estudar e a viver intensamente o mercado cervejeiro.
A Noi vai completar dezesseis anos em 2024 e é uma empresa dividida em três frentes. Nasceu em 2008, na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, como um restaurante que tinha como diferencial trabalhar apenas com cervejas artesanais próprias, feitas em uma fábrica parceira. Em 2011, viabilizaram a construção da própria fábrica para atender à demanda de seus restaurantes, mas também para alcançar novos clientes. E em 2021, inauguraram a Distilleria Noi e lançaram o Íon, um London Dry Gin, primeiro destilado da empresa.
Atualmente, a Noi soma dez casas, entre restaurantes, bares e quiosques, nas cidades de Niterói, Rio de Janeiro e Búzios. E a cervejaria mantém uma linha com mais de 20 rótulos e quase uma centena de prêmios nacionais e internacionais.
As três empresárias que lideram a Noi são formadas em administração de empresas, e Beatrice e Bianca são “sommelières” de cervejas, formadas pelo Instituto da Cerveja Brasil (ICB). Internamente, cada uma lidera uma frente de trabalho.
“A cerveja ainda é um meio majoritariamente masculino, mas temos tido avanços. Cada vez mais, vemos mulheres em diversas áreas, seja no chão da fábrica, como mestras cervejeiras, e na administração de cervejarias. Porém, ainda há um longo caminho pela frente. Sempre há um “quê de desconfiança”, então precisamos ser quase perfeitas em nossas funções. Mas, se eu pudesse dar um conselho para quem quiser entrar neste meio, é que ele, assim como diversos outros, requer muita resiliência, constância e persistência. Sempre encontramos diversas dificuldades, e não podemos desistir por isso. Quando você se dedica plenamente, o resultado acontece”, observa Bianca Buzin.

Beatrice Signor, Bianca e Barbara Buzin
Do Brasil para o mundo
Ela não imaginava que a cerveja a levaria tão longe. A brasileira Cilene Saorin é engenheira de alimentos e mestre cervejeira com graduação na Espanha pela Universidad Politécnica de Madrid — Escuela Superior de Cerveza y Malta e “sommelière” de cervejas com graduação na Alemanha pela Doemens Akademie.Tem pós graduação em marketing e ESG.
Com mais de 30 anos de experiência profissional, teve atuação na área de produção de cervejas (1992-1998), desenvolvimento de fornecedores (1998-1999), pesquisa e desenvolvimento (1999-2001) e como especialista em degustação de cervejas para algumas das maiores companhias cervejeiras do mundo (2001-presente). Trabalhou para Brahma, Petrópolis, Antarctica e AmBev no Brasil, e FlavorActiV na Inglaterra, empresa líder na área de gestão da qualidade sensorial de cervejas.
De 2002 a 2020, lecionou para ESCYM Curso Master em Ciência e Tecnologia Cervejeira na Espanha. Em 2012, fez parte do grupo de professores no Siebel Institute of Technology nos Estados Unidos para lançamento do DOEMENS Curso de “sommelier” de cervejas. Entre 2013 e 2014, lecionou na FGV-SP para o curso Administração dos Negócios da Cerveja no Brasil.
Desde 2002, faz parte de grupos de jurados degustadores profissionais de cerveja em competições nos Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, entre outros países. No Brasil, de 2013 a 2016 colaborou como curadora do Mondial de La Biére, liderou a organização do Beer Sommelier World Cup (2015), integrou a equipe de jurados do Beer Sommelier World Cup (2013, 2017, 2019 e 2022). De 1999 a 2019, colaborou como assistente e curadora nos eventos Brasil Brau e Degusta Beer & Food.
Atualmente trabalha como profissional independente dos negócios da cerveja para as áreas de educação, consultoria e eventos. Desde 2008, atua como diretora de educação da Doemens Curso de Sommelier de Cervejas na América Latina e Península Ibérica. Suas competências de consultoria cobrem temas como Gestão Sensorial, Sommelieria, Comunicação e Sustentabilidade. Numerosos eventos corporativos, institucionais e de entretenimento fazem parte de sua trajetória, bem como a criação de conteúdos para jornais, revistas e livros.

Cilene Saorin
Da comunicação ao universo da cerveja
A Taiga Cazarine é jornalista com MBA em Marketing, “sommelière” de cervejas e Juíza Internacional de Cervejas. Essa trajetória que inclui a comunicação e cerveja a levou a muitos lugares e países.
No jornal O Povo/CE, foi colunista. Idealizou e apresentou o programa Cerveja de Conteúdo na rádio CBN, foi curadora de conteúdo no projeto Beer Lover da AMBEV e Beer Huntress na Wbeer (grupo Wine), realizando a curadoria de marcas e negociações internacionais, entre outras atividades no setor.
A cerveja a levou também às salas de aula nos institutos SENAC, Doemens Akademie, Science of Beer e Marketing Cervejeiro. E palestrou em festivais como Degusta Beer & Food / Brasil Brau e Hacktown. Em outros países atuou como Juíza de Cerveja em concursos na Argentina, Chile, Panamá e Costa Rica.
Ela também foi Beer Huntress (caçadora de cervejas) do clube de cervejas Wbeer (grupo Wine), quando teve a oportunidade de visitar 13 diferentes países e diversos Festivais entre Europa e Américas, avaliando o mercado e prospectando negociações e parcerias com novas marcas para o Brasil.
E as realizações da Taiga não param por aí. Realizou o primeiro evento de Harmonização de Charuto e Cervejas no interior de São Paulo e foi por duas vezes consecutiva a única Brasileira em uma Missão Trade a convite do Governo da Carolina do Norte (Estados Unidos) para conhecer o desenvolvimento do mercado de cervejas e destilados daquele estado.
Ufa, que trajetória!
Há três anos, atua de forma autônoma com a agência digital CZRN atendendo marcas, principalmente do mercado de bebidas e gastronomia, com consultoria de “branding” e estratégia em marketing e conteúdo.
Taiga Cazarine
A indústria das leveduras
O Estado de Santa Catarina é conhecido pela fabricação de cervejas artesanais. É de lá, também, mais especificamente de Florianópolis, que temos uma fábrica de leveduras criada e administrada por mulheres, a LevTeck. A empresa familiar reúne as irmãs Gabriela e Marina Muller e seus pais. Surgiu em 2015 e atende todo Brasil.
Mas, antes de chegar de norte a sul do país, a caminhada da sócia-fundadora, Gabriela Muller, foi marcada por muita pesquisa, estudos e trabalho, muito trabalho. A LevTeck é uma empresa pioneira na produção de kits para controle de qualidade e fermentos líquidos, inclusive com micro-organismos brasileiros, para a produção de cervejas.
Gabriela sempre foi apaixonada pela pesquisa e graduou-se em farmácia, fez mestrado em biotecnologia, doutorado em bioquímica, e pós-doutorado em biotecnologia e biociências. Com todo esse conhecimento na área de química e pesquisa, tendo iniciado na graduação pesquisa em levedura, seguiu seu caminhar em laboratórios, entendendo que o estudo a levaria à inovação. E levou!
No doutorado, Gabriela começou a produzir cervejas para consumo da família; dali nasceria uma empreendedora. Foi nesse período que entendeu que era possível investir no cultivo de leveduras, um importante produto para o mercado cervejeiro. Em 2011, o mercado de leveduras era restrito no Brasil, o que a incomodava, pois não conseguia fazer diferentes tipos da bebida. E, a partir desse momento, começou a pensar em como poderia colaborar com esse mercado. Em parceria com o Sebrae, universidade e uma cervejaria fez o seu primeiro plano de negócio, começando a ofertar consultoria. Mas queria ir mais longe e continuou pesquisando.
No pós-doutorado, conseguiu lançar um produto inédito no país, um kit para controle de qualidade microbiológico nas cervejarias. “Eu entendia que as cervejarias precisavam de melhorias. As pessoas nem sabiam que a cerveja podia contaminar e azedar. Desenvolvi um meio de cultura, simples, para crescimento de leveduras e micro-organismos”, informa. Mas a proposta era muito inovadora para o mercado, em 2015. Foi o primeiro kit para controle microbiológico no Brasil.
Nesse período, as sócias tiveram que repensar a empresa: o que a indústria precisava e que é indispensável para a produção de cervejas. Assim, surgiu a produção de leveduras e a LevTeck se tornou a segunda empresa no Brasil a produzir levedura líquida para a fabricação de cervejas artesanais. Começou com 160 litros/mês e, atualmente, produz 10 mil litros/mês.
A parceria das irmãs é forte. Marina, que também é bióloga, se especializou na parte gerencial, em gestão e liderança para seguirem juntas em crescimento e atendendo todo o país.
Gabriela e Marina Muller
Produtora de lúpulo
Em 2021, o Brasil produziu 12.356 toneladas de lúpulo, segundo a Aprolúpulo — sim, temos uma associação de produtores de lúpulo! O fruto é uma das principais matérias-primas utilizadas na produção de cerveja. Entre 2022 e 2023, o número de produtores no segmento cresceu 40%, em área de produção esse crescimento foi de 133%, segundo levantamento da Associação. Treze estados brasileiros produzem lúpulo em 99 municípios. Santa Catarina, São Paulo e Minas têm as maiores áreas de produção. As cinco variedades mais produzidas no Brasil são: Comet, Cascade, Saaz, Chinook e Zeus.
Em Sorocaba/SP, a produtora Camila Crivellente Gross, da Eden Hops, começou a investir no plantio de lúpulo em 2021 e se prepara para a colheita da sua quinta safra. Camila optou pelo segmento por ser uma apaixonada por cervejas artesanais e resolveu investir em área disponível no sítio do seu pai. Acompanhando o mercado interno e observando o crescimento da cultura, ela entendeu que estava no momento certo e, como boa consumidora, pensou que o mínimo que poderia oferecer era um lúpulo fresco de qualidade ao mercado.
Ela começou em junho de 2021 e, em março de 2022, colheu a sua primeira safra. Nesse período, ainda inicial, ela já conta com sucesso nas vendas de toda a sua produção, e tem bons retornos sobre o produto oferecido ao mercado. Camila escolheu as variedades Cascade, Comet, Nugget, Zeus e Southern Cross. A sua expectativa é de uma boa safra na colheita de 2024, com expectativa de 330 kg, na sua área com 1.000 plantas.
Segundo a produtora, há muitos paradigmas ainda a quebrar, pois como o mercado sempre adquiriu lúpulo do exterior, ainda há certa desconfiança com a produção nacional. Mas, esses paradigmas vão sendo quebrados gradativamente com a análise dos produtos a cada safra e com a vantagem das cervejarias trabalharem com o lúpulo fresco.
Sobre o processo de produção, ela ainda não vai aumentar a área, pois demanda de uma série de fatores como maquinário para a colheita e mão de obra, um gargalo em todos os setores, mas ela tem planos para crescimento e área disponível para este investimento. Camila alerta que para entrar nesse mercado existe todo um processo para a legalização a partir das aquisições de mudas, que devem ser de viveiro legalizado pelo Mapa. Para conquistar bons resultados em tão pouco tempo, a produtora conta com o apoio do engenheiro agrônomo Renan Furlan. Ela afirma que escolheu a profissão certa.
Muito intressante
Llll