O leite – Parte I

Texto por: Publicado em: 8 de fevereiro de 2024

Não dá para analisar a cadeia produtiva do leite somente com base no ocorrido em 2023, que ocasionou a baixa significativa nos preços, fazendo muitos produtores repensarem sua atuação na atividade. Como toda produção agrícola, o leite tem a sua sazonalidade e enfrenta uma série de desafios. Listamos alguns deles e retratamos exemplos de quem investe na atividade ou que fez outras escolhas.

Em três matérias, trazemos informações para entender um pouco mais deste momento. Acompanhe:

Os muitos elos da cadeia produtiva do leite

A cadeia produtiva do leite – tanto no Brasil como no mundo – tem sofrido mudanças ao longo dos últimos anos, impactando principalmente a produção, bem como a reprodução de animais. Tais mudanças resultam de alterações climáticas, questões econômicas e de mercado. Sim, a vida é um ciclo coordenado por muitas transformações. Do passado bem distante, quando se vendia o creme em latões pelo país afora e o leite era um comércio somente local, tudo mudou e melhorou, mas os desafios continuam.

Conforme dados da Embrapa Gado de Leite, de 1974 a 2023, a produção leiteira aumentou em cinco vezes, passando de sete bilhões para 35 bilhões de litros anuais. Já o rebanho de vacas ordenhadas cresceu menos de 50%. Na última década, ocorreu uma queda consistente nesse indicador, que hoje é inferior a 16 milhões de animais, mesma quantidade que no início da década de 1980.

Essa relação se refletiu no aumento da produtividade animal, que mais que triplicou no período, chegando aos 2.200 litros\vaca. Tal aumento expressivo da produção, bem acima do nível de crescimento da população, permitiu ao país saltar de um consumo anual de 100 para quase 180 litros por habitante/ano, disponibilizando mais leite, de melhor qualidade e a um menor custo para os consumidores. Esses avanços foram possíveis devido aos ganhos de produtividade dos recursos empregados na atividade, frutos da adoção tecnológica ao longo da cadeia.

Mas, a concorrência também aumentou. Em 2023, a crise na pecuária leiteira do país ganhou força com a importação de leite de países do Mercosul, o que impactou a cadeia produtiva já sofrida com outros elos que desestimulam a permanência de muitos produtores no mercado.

Conforme dados da Federação da Agricultura de Minas Gerais (Faemg), as  importações desenfreadas de leite, principalmente de países do Mercosul, têm causado uma alta na oferta da matéria-prima no mercado e, associado a uma demanda que não cresceu no mesmo ritmo, tem refletido na queda dos preços pagos ao produtor rural. Somente em 2023, foram importados 2,2 bilhões de litros, o que representa uma alta de 68,7% em relação a 2022. Este leite teve como origem a Argentina (53,7%), Uruguai (35,8%), Paraguai (5,3%) e, os 5,2% restante, dos demais países. Isto refletiu em uma queda de 10,4% no preço em 2023, uma diferença, por exemplo, de 20,5% quando comparamos o mês de dezembro. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (ESALQ-USP) aponta um preço ao produtor de R$1,9953 para o leite entregue em dezembro/2023 e pago em janeiro/2024. Esses fatores tem provocado uma retração na cadeia produtiva no Estado, mesmo com o Estado liderando o ranking de maior produtor do país.

Diante dos números, uma gama de ações foi iniciada e os produtores aguardam uma melhora para o mês de fevereiro, quando entrará em vigor o Decreto 11.732/2023, que prevê uma série de medidas que poderão beneficiar a aquisição de leite no mercado interno e assim reduzir as importações.

Minas Gerais lidera o ranking do país como maior produtor. É seguido pelo Paraná e Rio Grande do Sul. Os impactos vividos pelos produtores refletem em toda a cadeia. Os números atuais mostram Minas Gerais com 27,11% da produção nacional, Paraná com 12,45% e Rio Grande do Sul com 12,26%. Embora as conquistas para se produzir mais e melhor sejam reais, percebe-se uma diminuição e estabilização na cadeia, conforme os gráficos abaixo dos Estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul.

Conforme dados da Emater/RS, o número de fazendas produtoras de leite no Estado caiu muito nos últimos anos em decorrência dos muitos desafios enfrentados. Sobre o recuo de 9% na produção de leite, o Estado sofreu as consequências da falta de chuvas nos verões de 2020/21, 2021/22 e 2022/23, que prejudicaram as pastagens de verão e, sobretudo, a produção de silagem de milho, em quantidade e em qualidade. Também, a exemplo do restante do país, os produtores sofreram com aumento nos custos de produção no ano agrícola 2022/2023, associado com a redução nos preços recebidos.

Os números refletem a redução das vacas e, consequentemente, a quantidade produzida no mesmo período.

Minas Gerais 

Conforme dados do Censo Agropecuário de 2017, Minas Gerais tinha naquele ano 216 mil propriedades leiteiras. Embora o gráfico abaixo mostre uma leve queda no número de animais entre os anos de 2017 e 2022, o volume atual está estagnado no Estado. Conforme dados da FAEMG, isso se deve a uma elevação dos custos de produção, reduzindo a rentabilidade e, consequentemente, a atratividade da atividade leiteira no país.

Como forma de apoiar os produtores, o Sistema Faemg Senar, disponibiliza, desde 2016, o Programa de Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), que auxilia os produtores rurais a melhorarem a renda advinda da atividade de 13 diferentes cadeias.

Em Minas Gerais, o maior número de propriedades atendidas é da pecuária leiteira, com mais de cinco mil produtores sendo assistidos mensalmente durante 24 meses.

Ao analisar o período de dezembro de 2022 a novembro de 2023, as propriedades com dois anos de atendimento apresentaram uma estruturação do rebanho melhor quando comparada a propriedades com apenas 12 meses de atendimentos. Possuindo, em média, 71% das vacas em lactação em relação ao total de vacas e 35% de vacas em produção quando avaliado o rebanho total. Esses números são 9% melhores quando comparados com as propriedades com apenas 12 meses de atendimento, demonstrando a evolução das propriedades ao longo do atendimento. Ações focadas em melhorias nutricionais, sanitárias e reprodutivas possibilitam esse avanço.

Outro ponto de melhoria foi em relação à produtividade média das vacas em lactação, 22% maior nas propriedades com 24 meses de atendimento quando confrontada com as propriedades com 12 meses de atendimento. Em relação aos custos de produção, houve uma redução de 2% no Custo Operacional Efetivo (COE) e de até 13% no Custo Operacional Total (COT). Esses índices aumentaram a rentabilidade em 3% quando comparadas a propriedades com apenas 12 meses de atendimento. Isso reflete a importância do Programa ATeG e a evolução dos produtores na melhora dos seus custos de produção, tornando as propriedades menos vulneráveis a questões da porteira para fora.

Foto por: Reginaldo Faria – Revista Terra Boa

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